Vivemos um tempo de profundas transformações sociais, onde crenças e valores tradicionais estão sendo questionados sob a pressão de uma sociedade cada vez mais materialista, imediatista e confusa quanto ao sentido da vida. Nesse cenário, o Espiritismo, doutrina consoladora e racional, muitas vezes é mal compreendido, interpretado de forma superficial ou distorcida — inclusive por aqueles que se dizem seus representantes. Entre os vários desafios enfrentados, destacam-se o avanço do ateísmo, o ensino religioso mal explanado e a deturpação de conceitos fundamentais como expiação, obsessão e mediunidade. Hoje a divulgação da doutrina está muito mais fácil pois temos as chamadas redes sociais, e justamente nesse anonimato aliado a possibilidade de ganhos financeiros vamos ter aqueles que podem deturpar consciente ou inconsciente os princípios doutrinários, podendo levar muitos ao ateísmo.
Ateísmo e o Espiritismo Mal Compreendido
O crescimento do ateísmo moderno não é, em sua maioria, fruto de uma análise profunda e filosófica da vida, mas sim uma reação ao que muitos percebem como incoerência, fanatismo ou hipocrisia religiosa. Infelizmente, o Espiritismo, quando ensinado de forma equivocada ou parcial, é também colocado nesse mesmo pacote. Doutrinadores despreparados ou influenciados por interesses pessoais acabam transmitindo uma visão distorcida da proposta espírita, que deveria ser eminentemente cristã, esclarecedora e libertadora.
Há quem apresente o Espiritismo com um viés místico, mágico ou fantasioso, o que colabora para que muitos se afastem ou o rejeitem sem conhecê-lo em profundidade. A proposta kardecista, baseada no tripé ciência, filosofia e religião, torna-se irreconhecível diante de práticas que mais se assemelham a rituais religiosos tradicionais, distantes do espírito investigativo e racional proposto por Allan Kardec.
A Religião Mal Explicada: Culpa em vez de Amor
O ensino religioso, em geral, ainda carrega muitas marcas de doutrinas que se baseiam no dogma da culpa, que enfatizam o castigo, o pecado e a punição. No campo espírita, isso se reflete quando se fala em expiação sem a devida compreensão do amor divino e da lei de progresso. Muitos passam a acreditar que sofrer é o único caminho para a evolução, ignorando a importância da reforma íntima, da educação moral e do bem que podemos construir no presente. Jesus jamais ensinou pela dor; Ele curava, consolava e educava com base no amor.
Quando a religião é mal explicada, o Evangelho deixa de ser boa nova para se tornar fardo. As palavras de Jesus são instrumentalizadas para gerar medo e dependência espiritual, quando deveriam libertar consciências.
Claro que é muito mais importante um ateísta que ama do que um religioso psicótico.
Erro sobre Expiação e Obsessão
Outro equívoco frequente está na forma como se interpretam conceitos espirituais como expiação e obsessão. A expiação, muitas vezes, é tratada como um castigo inevitável, um pagamento cego por erros do passado. Porém, à luz do Espiritismo, trata-se de uma oportunidade de aprendizado, de reajuste e crescimento. O sofrimento não é fim em si mesmo; é um meio de renovação, quando bem compreendido e vivido com lucidez.
Da mesma forma, a obsessão não deve ser vista apenas como um "ataque espiritual", mas como sintoma de desequilíbrios morais e emocionais. Reduzir a obsessão à ação de espíritos perturbadores é ignorar que, muitas vezes, ela nasce em nossas próprias atitudes, vícios e ressentimentos. A vigilância, a oração, o autoconhecimento e o evangelho no lar são recursos essenciais para prevenção e tratamento — e não apenas a busca por "passes" ou rituais desobsessivos. Somos responsáveis pelo nossos atos e tudo aquilo que deriva deles, sendo a obsessão uma responsabilidade nossa e não do obsessor pois nós é que damos passividade para eles, na forma de pensamentos e atos equivocados.
Problemas Emocionais e Fragilidade Espiritual
O aumento dos casos de depressão, ansiedade e distúrbios emocionais reflete uma sociedade desconectada de si mesma e de valores espirituais profundos. Muitos centros espíritas, ao invés de atuarem como locais de acolhimento, esclarecimento e consolo, têm funcionado como meros postos de atendimento ritualizado, onde o ser humano é tratado como paciente espiritual, e não como alma em processo de libertação.
A ausência de estudo sério, de evangelho prático e de laços fraternos genuínos leva muitos a buscarem o Espiritismo como um remédio mágico ou uma "muleta emocional", o que, inevitavelmente, causa frustração e abandono.
Doutrinadores em Busca de Fama e Reconhecimento
Em meio a tudo isso, cresce o número de doutrinadores e palestrantes mais interessados em fama, curtidas e posição social do que em servir ao Cristo. A doutrina é utilizada como trampolim para autopromoção, muitas vezes desrespeitando seus fundamentos e banalizando os ensinamentos dos Espíritos superiores. Essa busca por holofotes, dinheiro e status corrompe a essência do trabalho espírita, que deveria ser de humildade, serviço e renúncia.
A Responsabilidade dos Divulgadores Espíritas
A responsabilidade dos divulgadores da doutrina é enorme. Cada palavra dita em uma tribuna, cada texto publicado nas redes sociais, cada vídeo compartilhado carrega a semente da influência. E o que se planta, colhe-se. Ensinar é uma missão espiritual. A vaidade, o orgulho e o ego ferem essa missão. Por isso, é urgente que os trabalhadores espíritas busquem primeiro o autoaperfeiçoamento, a vivência prática do evangelho e o estudo contínuo da obra kardequiana.
O Ensinamento de Jesus: Amor sempre, mas Culpa nunca
Jesus nos ensinou a amar, a perdoar, a servir e a libertar-nos. Nunca usou a culpa como instrumento de conversão. O Cristo falava ao coração e à razão, convidando cada ser à transformação consciente e amorosa. O Espiritismo, como o cristianismo redivivo, precisa resgatar esse espírito. Precisamos deixar de lado as interpretações moralistas e opressoras, substituindo-as pelo evangelho vivido na prática do bem, na caridade ativa, na empatia sincera e na reforma íntima progressiva.
Conclusão
O Espiritismo não pode ser reduzido a fenômenos, rituais, diagnósticos espirituais ou práticas automáticas. Ele é uma proposta de autotransformação, de amadurecimento moral e espiritual. Para que sua luz brilhe no mundo, é preciso que seus representantes sejam fiéis aos princípios da verdade, do amor e da humildade. O ateísmo, os desvios religiosos e as doenças emocionais só encontrarão solução real quando o evangelho for vivido e ensinado com clareza, responsabilidade e amor — como Jesus nos ensinou.
Prof. Wagner Ideali